Introdução

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é um dos principais instrumentos de avaliação educacional no Brasil e tem um forte impacto na vida dos estudantes que almejam uma vaga nas universidades públicas e privadas do país. Desde sua criação em 1998, o Enem tem passado por uma série de alterações, expandindo seu alcance e seu uso para além das instituições de ensino superior. Uma dessas mudanças mais recentes tem sido o surgimento de jogos de apostas em torno do Enem, que exploram a ansiedade e a competitividade dos alunos e prometem recompensas em dinheiro para aqueles que acertarem o resultado do exame ou a pontuação de algum conhecido.

Este artigo busca examinar as implicações do fenômeno dos jogos de apostas em torno do Enem para a política educativa brasileira mais ampla. Em particular, argumentaremos que essa prática revela não apenas lacunas na equidade e na justiça social em relação ao acesso à educação, mas também alimenta uma cultura de meritocracia que desvia a atenção dos desafios sistêmicos enfrentados pelo sistema educacional brasileiro.

Aumento da desigualdade

O primeiro ponto a ser analisado é o efeito dos jogos de apostas em torno do Enem na equidade educacional. Ao permitir que alguns estudantes ganhem dinheiro com suas apostas, enquanto outros não têm condições de participar, a prática reforça as desigualdades socioeconômicas já presentes no sistema educacional brasileiro. Afinal, aqueles que têm mais recursos financeiros têm mais chances de acertar apostas e ganhar dinheiro, enquanto os alunos de comunidades mais pobres ficam excluídos do jogo.

Essa tendência é particularmente preocupante se considerarmos que as chances de sucesso no Enem já são muito desiguais, já que os alunos de escolas particulares têm uma vantagem injusta sobre aqueles que frequentam escolas públicas. Segundo dados do Inep, em 2019, a média de pontuação dos alunos de escolas particulares no Enem foi de 581 pontos, enquanto a média dos alunos de escolas públicas ficou em 465 pontos.

Assim, é possível afirmar que o jogo de apostas do Enem é mais uma forma de aprofundar as desigualdades educacionais já existentes no Brasil. Ao invés de enfrentar os desafios estruturais que prejudicam o acesso equitativo à educação, a prática reforça a ideia de que a educação é uma questão de sorte e não de investimento público em políticas educativas.

Cultura da meritocracia

O segundo aspecto a ser analisado é o papel dos jogos de apostas em alimentar a cultura da meritocracia. Afinal, a ideia de que os estudantes podem ganhar dinheiro por acertar o resultado do Enem reforça a ideia de que os melhores alunos são aqueles que deveriam ter direito às oportunidades educacionais e profissionais mais vantajosas. Segundo essa lógica, os jogos de apostas acabam por desviar a atenção dos problemas mais sistêmicos enfrentados pelo sistema educacional brasileiro, reforçando a ideologia de que a educação é uma questão de mérito pessoal e não de justiça social.

No entanto, ao analisar a situação com mais atenção, fica claro que a ideia da meritocracia é falaciosa. A educação brasileira está cheia de desigualdades estruturais que prejudicam o acesso dos alunos ao ensino de qualidade, independentemente de seu desempenho individual. A escassez de recursos para o ensino público, a falta de um currículo abrangente e acessível e a ausência de políticas públicas eficazes são apenas algumas das barreiras enfrentadas pelos estudantes. O jogo de apostas do Enem, portanto, não é um instrumento que estimula a inclusão e a igualdade, mas sim um mecanismo que desvia a atenção dos problemas reais enfrentados pela sociedade.

Conclusão

Em síntese, é preocupante que os jogos de apostas em torno do Enem sejam tão populares e que a prática não tenha sido vista como uma questão de preocupação maior por parte das autoridades educacionais. Como argumentamos neste artigo, o jogo de apostas do Enem reforça desigualdades socioeconômicas e cultiva uma cultura de meritocracia que desvia a atenção dos desafios estruturais do sistema educacional brasileiro.

Portanto, é hora de repensar profundamente o que realmente significa educar e tornar a educação mais acessível e equitativa para todos, em vez de usá-la como um objeto de aposta. Não devemos nos contentar com uma sociedade que acredita que o sucesso pessoal é uma questão de pura sorte e competitividade individual. O desafio é enfrentar esses problemas estruturais de frente e adotar soluções de políticas públicas que promovam um acesso justo e equitativo à educação e que, finalmente, tornem o jogo de apostas em torno do Enem obsoleto.